25.5.10

H2Horas – antologia de textos para filme






Por Pipol
leia também: H2Horas ('estréia mundial'), H2Horas - Desdobramentos do projeto (livro + DVD)


H2Horas

O nome H2Horas foi uma sugestão de Silas Corrêa Leite lançada e bem recebida no Café Cronópios. Outras sugestões chegaram por e-mail, mas descartei todas por considerar que a manifestação no Café Cronópios deve ter prioridade sempre. O Café foi o espaço escolhido para a apresentação da proposta e convite aos autores para participar. O Café Cronópios serviu também de fórum para a troca de ideias na criação do filme...





A seleção dos textos

Ao iniciar o trabalho de escolha dos poemas e contos, percebi que não poderia ficar restrito apenas aos textos encaminhados. Precisava encontrar uma forma de alinhavar a criação de vários autores num corpo mais ou menos coerente. Sempre lembro do filme Short Cuts de Robert Altman e acho que era mais ou menos isso que eu tinha em mente enquanto escolhia dos textos para o nosso filme. Cada minipoema ou microconto seria uma pequena história fechada em si, um pathwork, uma colagem de cores e formas.

A seleção que você pode ler aqui, na minha opinião, já é uma das melhores antologias do ano de 2009. Os autores cronopianos são muito bons, são os melhores. Me meti numa bela encrenca ao propor esse especial de fim de ano. Espero corresponder às espectativas. Se o filme não ficar bom, a antologia publicada aqui já vale muito. Quando a nossa editora (Nuvem) ficar pronta e funcionando, esta antologia vai virar um belo e ilustrado livro digital e também “físico” (em papel com selo “carbon free”, afinal, somos o Cronópios - já estamos adiantados nessa negociação com um parcerio forte).



Critério para a escolha dos textos

O critério fundamental foi o interesse dos autores em participar do projeto. Só selecionei textos de quem efetivamente enviou trabalhos. Se o poema ou conto não pôde ser aproveitado, fui visitar a obra do autor e autora publicada no Cronópios. Dos textos que lia, fui marcando e colocando em destaque trechos que me pareciam perfeitos para o filme.



A apresentação dos textos no filme

Os poemas e minicrontos não aparecerão na forma escrita, apenas falada ou cantarolada em off no filme. O nome do autor sim, aparecerá na forma de assinatura escrita enquando o texto é apresentado.


Observação

Muitos autores podem não concordar com o que fiz, podem achar isso uma intromissão no seu texto. Eu não penso assim, o que fiz foi apenas extrair um verso ou trecho de um poema ou conto maior já publicado no Cronópios. Foi um trabalho de editor para um fim específico, a adaptação de textos para um projeto audio-visual. Mas reclamação de autor será sempre legítima e respeitada. Quem quiser retirar o seu texto do projeto, é claro que será prontamente atendido. Por favor, me avise assim que puder: pipol@cronopios.com.br

Parabéns a todos pela qualidade dos textos, entusiasmo e vontade de fazer diferente. Esse é o espírito cronopiano. Muito obrigado pela participação.


* * *






H2Horas - antologia de textos para filme





Pessoas sinceras, honestas consigo mesmas,
quando se encontram e trocam ideias,
são como grandes dinossauros.

Com imensos movimentos,
destroem metade da floresta a sua volta.

João Nicodemos





Ontem avistei brumas negras
debruçando-se sobre a lápide fria
do último imperador
do meu mundo perfeito.

William Lial





Caminhando como um turista
recém chegado a um lugar
que não conhece.

Eu o vi sorrir para as nuvens
e abraçar-se ao vento,
eu o vi sentar-se ao banco
e conversar com seus sonhos.

William Lial





Na verdade, sou criança. Não nasci ainda. Meus pais ainda não se conhecem. Não houve explosão e começo do mundo.

Letícia Palmeira





Eu tenho olho de vidro que feito um caleidoscópio
Chora todas as naturezas das vidas telúricas
Semeando lágrimas de sangue sobre a terra

Silas Correa Leite





Aos poucos estão trocando o piso das calçadas de minha cidade; novas normas para tornar mais seguro o dia a dia dos pedestres. Podem achar estranho, mas não me atraem calçadas regulares. Os buracos, as irregularidades e os desníveis me servem como camuflagem do relógio do tempo.

Jorge Elias Neto




Abriu portas no labirinto dos séculos
e chegou ao ponto de partida.
Tinha dado a volta ao mundo
brincando de cabra-cega.
Adiante, somente a porta verde
emperrada pela ferrugem dos livros.
Usou do rastro da lesma
para azeitar a fechadura.

Jorge Elias Neto





Domingo deserto
Num rádio ao longe
Um jogo
Num muro
Um gato se espreguiça

Sérgio Graciotti





ideograma
hieróglifo
ícone
iluminura
ementa

o poema
antevê
o cinema

Sylvio Back







vento frio
dois homens de amarelo carregam rosas
e a luz prata a atravessar o encrespado
como se nuvens habitassem o tálamo
e de lá enviassem idéias
palavras a lamber o esmalte dos dentes
a soprar poemas dos lábios

Carlos Pessoa Rosa








quando as vacas
abanam o rabo no vazio
festejam a saudade do vindouro
roçam o pasto
como as horas, os ponteiros de relógio

Carlos Pessoa Rosa





Deixo meu violão
para a balconista da padaria.
A erva benta
para a velha do sobrado.
A chaleira
que chia Villa-Lobos
para Frei Gustavo,
que costura almas
nas manhãs de quarta.
O livro de poesia
de Augusto dos Anjos,
para o cobrador do expresso 022.

Bárbara Lia





o chá é espiritual
o café é intelectual
a prosa é conceitual
o meu chope é álcool

Jovino Machado





prensada pelo tempo
a vida me escorre
entre os dedos

e no chão se evapora
na premência do agora
sob o eterno do sol

Marcelo Tápia







A verdade aparece,
sempre com requinte:
o suicida deixa a geladeira cheia.

Pipol





Tem uma torneira vazando
enlouquecendo em azul
a noite.
Cai em ritmo de segundos,
tatua o tempo em estilhaços líquidos

Bárbara Lia





Um relógio é um pássaro
completamente ao contrário.

Carlos Emílio C. Lima





E agora sou ator. Um espalhafato. Evoco a inspiração e trago a vertiginosa fumaça lírica do texto que reproduzi.

Letícia Palmeira




Serviu-me a flor como prato principal. ensinou-me arrancar pétala por pétala até chegar ao coração. esse sim, era iguaria fina desconhecida ao meu paladar.

Larissa Marques







Por que sempre rimos quando alguém tropeça e leva um tombo?
- É porque somos bípedes!

Pipol







O coelho olha em seu relógio, corre feito um louco, está atrasado. E Alice sabe que observar o tempo passar não é o mesmo que passar o tempo a observar. Mas, quer encontrar o Chapeleiro, um dia. Por isso, se joga.

Eliana Pougy





melhor assim
abra a garrafa
sem se indagar

rolhas e bolhas
leves
não se pense
beba-se
leve leve
como bruma
pluma
ultra-leve-se

Frederico Barbosa






O relógio pulsa sua escaramuça.
Prende em fios o disparatado.
Reutiliza a força dos astros
em uma medusa, que começa
na criança, numa leve blusa.

Nestor Lampros






Todo cronópio, meu bem,
tem seus quinze minutos de fama.

Francisco Pascoal





Nem relógio de sol
Nem relógio de parede.
Sou cronópio e tô em rede.

Márcio Almeida






Sou tudo e outro qualquer imaginário. Um calendário do passado que reflete um futuro prosaico. A mentira de criança e o paraíso perverso do equívoco.

Letícia Palmeira




Move-se máquina na inocência dos bambus.
Vamos curtir o couro do silêncio?
Qual a melhor posição para a mesa de pensar?

Carlos Emílio C. Lima







Cheguei cedo para não ser surpreendido. No entanto, o meu rabo, de alguma espécie de dinossauro, ainda balançava no cipó de Darwin.

Silas Correa Leite





um
dia,
o
tempo
que
passou
sem
que
eu
o
visse
assaltou
-me,
súbito,
na visão
de um
único
instante

bruto

Marcelo Tápia









Dor(avante)
Toda vez que eu disser: luz, câmara, ação,
será como ver-te.

Sylvio Back





O acaso é feito de pequenos dentes,
Imperceptíveis ganchinhos, fiapos,
Gotinhas de óleo ou de água,
Penhascos, cola, engrenagens,
Ventos, tráfego e viagens.
Não existe acaso, ou existe?
Será a nossa incapacidade de percebê-lo
Que só nos mostra aquilo
Que seja maior que um pelo?

Sérgio Graciotti




Fechei a caixa
e apreendi o tempo.
Era um tiquinho de nada,
apenas a demora entre dois segundos.
Aproveitei a sonolência dos ponteiros...
Quis deixar de fora o antes e o depois.

Jorge Elias Neto





Todo relógio é uma borboleta querendo voltar a ser casulo.

Silas Correa Leite





Bigodinhos rabiscados em fotografias...
Moça, de cabelo azul, chorando...

Pipol





nossas esperanças ranço
esqueça
dance cante caia na farra
deixe que o vento
varra
nossa idade
o vácuo
a verdade

Frederico Barbosa








Saiu a pedalar pela periferia a quilômetros
de ponderações e controles
Achou-se em riso a pedalar a pedalar sozinha

Nasciam esquinas, praças e bairros
longe do centro e das velhas tardes

Marco Aqueiva




Aos poucos estão trocando o piso das calçadas de minha cidade; novas normas para tornar mais seguro o dia a dia dos pedestres. Podem achar estranho, mas não me atraem calçadas regulares. Os buracos, as irregularidades e os desníveis me servem como camuflagem do relógio do tempo.

Jorge Elias Neto





Paixão:
até suas listas de compra
leio emocionado.

João Nicodemos





Prefiro imaginar que ela tem um relógio daqueles de mostrador com algarismos romanos incrustado bem ali no centro daquele magnífico cenário de nádegas juvenis e eu, gotejando na testa, fico seguindo com o olhar o ponteiro dos segundos rodando nervosinho, enquanto os outros dois parecem nem se mexer, o tempo derretendo devagar como se não quisesse passar...

Waldemir Marques





noutro
rosto
deparo
com
o mesmo
halo
(technicolor)
de quando
metíamos
um
noutro

Sylvio Back





Não quero saber de salvador dali
Eu quero é me salvar daqui

Jovino Machado




As galáxias badalam pelas ruas fazendo de cada esquina acasos dum cuco cósmico. Eu te encontrei num ponto de uma esfera que não tem décimo dum milionésimo de segundo. Mas nosso relógio íntimo, meu anjo, só tem ponteiros apontando infinitos...

Flávio Viegas Amoreira






Egolit 20 mg. Uso adulto.
Não interromper o tratamento médico, cultural, literário e artístico. A interrupção abrupta pode ocasionar o aparecimento de reações adversas.

José Aloise Bahia





Saudade é crocodilo
e o Tempo capitão Gancho.

Lucius de Mello



O pacote começou a ficar mais pesado e ele notou que um pouco de culpa havia vindo junto com os dois quilos de amor.

Lucius de Mello





Na noite longa
de tempo escarlate
o lótus se abre.

Flavio Ferreira







Triste relógio.
Segundo teus olhos.
Embalagem do tempo.

José Aloise Bahia





Sem o relógio na parede
não tenho horas:
perco-as no sofá
em frente à tv.

Harley Farias Dolzane




O que se há de fazer?
Acabou a pilha.

Harley Farias Dolzane




Na casa da minha infância,
fiquei amigo do cuco do relógio,
que agourava o tempo.

Cláudio Rodrigues









Por trás do palco
moiras tecelãs
contam suas histórias,
com esmero cosem à vida
todas as cenas e percalços

Victor Del Franco





Há muitos anos o marido morrera, os filhos cresceram e partiram para seus pedacinhos de vida em outras cidades. Só restara Luciana, a vir vez ou outra.

Camila Fortunato





E as horas se arrastam
feito caracol:
Silêncio gosmento
debaixo do sol.

Camila Fortunato





Delicada teia
no canto escuro da casa,
oculta artimanha.

Victor Del Franco





Se não existissem relógios
Os velhinhos seriam muito mais assustadores...

Pipol




Ao pegar objetos do quotidiano, conferindo-lhes importância extraordinária, Duchamp faz a arte por excelência. O artista é este sujeito capaz de ver encanto num pente fino.

Mathilda Kóvak



Ela tinha uma idéia acesa da vida que alguém cismava em assoprar.

Vanessa Campos Rocha




Os pés já se apertavam no tênis. As joanetes cingiam sua caminhada. Tun, tun tum, tumm dizia a quinta sinfonia do Beethoven de seu I-pod.

Vera Helena Rossi




As pessoas hoje unharam o chão duro e lamberam todo o pêlo do corpo. Depois dormiram enrolados em si mesmos e sonharam com longas conversas gostosas e engraçadas da qual não entenderam nada quando acordaram.

Vanessa Campos Rocha






para são judas não rezo
o milagre não desprezo
anjo é o santo expedito
o impossível é um mito

Jovino Machado







“Pêra aí! Pêra aí!” e se atira para o interior da padaria
e rápido volta e atropela o cliente da vez atrasada por demais e Plá!
(no balcão de vidro do caixa).
Bate uma vela rosa número quatro embalada e dizendo:
“Noossa! Ia esquecendo da velinha do aniversário!... Pronto.”

JC Pompeu





Com a prática
A perfeição
Vem
Por inércia

João Nicodemos





A retina arderá
no pendulo do futuro

Nilson Oliveira





amo marta
amor mata
- homem ao mar!
(de rolex no pulso fraco)

JC Pompeu




Uma luz acesa no fim da rua, já basta para que entre nós haja vírgulas. Suspiro. Dois pontos: somos quase assim, reticentes um com o outro, para nunca haver um ponto final. Eu duvido e você exclama, essa é a nossa combinação.

Vanessa Campos Rocha




Tenho antipatia por palhaços, pois se parecem comigo. minha desgraça é pano de fundo para a alegria alheia. A platéia esperava ansiosa pelo globo da morte, o barulho ensurdecedor para quem não quer ouvir mais nada.

Larissa Marques





No fim dos tempos, são os marginais que pulam contra a correnteza e dominam as new waves.

Mathilda Kóvak



O tempo decorrido
regressa a um nada tubular.

Márcio-André




O último a sair, acenda a luz!

Mathilda Kóvak








F I M




NOTA: As minibiografias dos autores podem ser facilmente encontradas digitando os nomes no campo de busca em qualquer página do Cronópios.




Pipol é editor-fundador do Cronópios. E-mail: pipol@cronopios.com.br

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