Poesia


[...]

e o pássaro traspassado de luz
em sua brancura pequena procura
a vida

do acaso ao cálculo ao caule
letra anti-letra
                                   : o pé-pétala
                        preciso para o pouso

                                                           [o tropeço. a plástica rasura]

                                                           derramando-se desde Quando
                                                           no deserto da folha
Onde: o poema em plumas
                                   não deixa pegadas
a dor no
                                               ar
ar dor no         leito assoreado
                                                                      
                        Mas o chão sujo do trapiche
e o morticínio de peixes que é o comercio dos homens em triste fastio...

Segue o pássaro, assim sendo, salto que se sustenta. E meu olhar é todo desvio!

Ao largo da margem imaginária o bico não abrirá o silêncio da pedra
nem a flor da carcaça apodrecida.

Segue, pois, o pássaro. O pássaro vazio.
Vazante maré dos ares.

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 [...]

para além
das travas e trevas
experimentar palavras
é ter na língua
gosto de ar.

[p o e m æ v e n t o]

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[...]
Para M.M. e V.F.C.


A grande chuva, seus estrondos titânicos,
leões da morte à espreita daquele que dorme...

e à noite, acolhido e sem asa
e à noite, teu mergulho profundo no peito de si, rasgão...
o rio esquecido e seco ser-tão a noite a própria noite
e à noite, a sede sem nome... sugando seios-de-lírios
circulares fogueiras haviam devastado a terra e agora
o grito subscrito a carne lavrada assim: a Semente...

úmida manhã na promessa, a crespa floresta do porvir, a negra e sonora, mas... silente
teu luar escondido, a ostra, a dura palavra incrustada na boca rugosa do nada, assim: a língua
bulindo, bulindo e a serpente vindo brotar na árvore dos Dons...

à ela a Voz
que cala e os campos vastos onde os homens colhem, a santa danação.
à ela a chave do porão, à ela o submerso inter-dito...

E fez-se a luz e a luz era boa e a luz é que nos cega e a luz tem seu tempo impreciso...
Mas, então, a grande chuva escorreu a luz dos olhos para ver-se, assim: a Treva

E a terra estava nua e a terra era um abraço de amor negro...
E era a noite, então, que nutria a fera que a fera tem [enterrada em si?]
pois a noite era comer-se como a serpente.

A noite sempre soube da fragilidade dos deuses, filhos seus
A noite é que vai, sendo-nos indo, indo. A grande chuva, noite salivando, o intervalo
que se nos doou desde a infância: a recusa assim, dita Não. Permanecendo no que é outro
doce doce azedo as coisas re-veladas na noite que são...

As quedas cada qual sendo abismo e asa... ali é forjado o pássaro pássaro, a escritura do voo.
Escutai, escutai, oh, a nuca de ferro!
Oh, a fronte de bronze, ante à novidade... à casa nova sempre mesma,
Oh, abris os ouvidos porosos!

Subvertei o medo, pois a taça do cálice de vertigem
 vós a bebestes, a esvaziastes.
Assim, a chuva grande saturando a terra...

O feliz retorno, a esfera eterna rugindo, rugindo.

Aquilo, o Animal, sua fome e consolo. A fenda noturna vai dar num algo de vida,
mar em que tudo há.
Real deserto
aberto na flor.



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