6.6.07

à Sara

É desse vento frio que me protejo
com luvas e camisa e lã

É por esse vento que insisto em manter as portas fechadas
e é dele minha vontade de fazer aqui dentro um poema quente

É o vento que me amarra junto a cama, no oitavo andar da Av. Praia do Flamengo
é com ele que me arrepio quando sonho o verão

Este vento, meu mais amado inimigo,
este vento, que já esqueci de onde veio, nem sabe o meu nome

e é dele que me preservo e do mau-cheiro das roupas úmidas
e do escuro do quarto quando é noite e apago a luz

Há muito tempo é isso. Lá fora já nem desconfio seu rosto;
aqui, existo fora da vida e quase isento de seu gélido mal-estar

Também não há, aqui, morte ou calor:
há luvas, camisa, lã e a mobília incinerada

O cinza daqui é mais sólido que o de fora, é verdade
porém, menos frio e mais calmo

Eu sei que um dia as roupas secarão totalmente no varal
e tudo há de evaporar

Será dia de sol e nascerão sorrisos trincados
e não haverá mais paredes, mas ilusões cheias de mormaço

e, então, abrirei a janela para que o vento assassino, seu punhal
ou talvez algum outro desastre novamente me alcance

Eu sei, e não adiarei o futuro.

"oh, vida futura
nós te criaremos..."*

*O mundo. Carlos Drummond de Andrade

Um comentário:

Benny Franklin disse...

Harley, putaquepariu... Tecestes este preciosidade de poema - Ah! Tenho vontade de poetar de frente para a praia -, vez outras mirando a Paria do Flamengo. Tôcertto? Finura de poema. Aliás, é oficio que trouxeste da Mangueirosa. Abçs, Benny.
Ah! Baixa neste Site (Overmundo), nele participo com poemas. O link é este:
http://www.overmundo.com.br/banco/sala_edicao.php?em_edicao=8064